domingo, 21 de março de 2010

A EMPAREDADA DA RUA NOVA: UM CENTENÁRIO ROMANCE RECIFENSE















Rua Nova em 1880, poucas décadas após o suposto crime e onde se desenrolou parte substancial da trama. Maurício Lamberg, 1880.


Entre 1909 e 1912 o Jornal Pequeno, em Recife, publicou em folhetim o romance “A Emparedada da Rua Nova”, do escritor Joaquim Maria Carneiro Vilela (1846-1913). O intrigante enredo se referia a uma suposta lenda local, que teria se passado em meados do século XIX, e dava conta de que um enfurecido pai, o rico comerciante português Jaime Favais, teria mandado emparedar viva a sua filha, devido a uma indesejável gravidez resultante de um caso com um aventureiro galanteador, que – de quebra – ainda tivera um romance com a esposa de Favais. O conquistador ainda acaba assassinado a mando de Favais.
Na intrincada trama, Carneiro Vilela faz desfilar uma vasta gama de personagens, das mais altas classes a pessoas imersas na marginalidade e no crime, deixando entrever um convívio promíscuo entre os distintos grupos sociais. Grandes comerciantes, famílias de escol, gente da mais fina qualidade e moradores de imponentes sobrados, dividia seus segredos e intimidades com escravos domésticos, empregados, pessoas das classes mais baixas, habitantes dos mocambos à beira dos manguezais da cidade. É entre esses despossuídos e marginalizados que o abastado comerciante encontra os agentes dos macabros crimes que urde.










Mocambos onde residiam os marginalizados e onde Favais teria recrutado os criminosos. Detalhe de vista a partir dos Coelhos. Litografia de Luís Schlappriz, 1863.

Uma atmosfera geral de hipocrisia estabelecia o forte tom naturalista do romance, no qual Vilela carregava as tintas, especialmente em relação à sua posição anticlerical, denunciando educandários de freiras como antros de fanatismo, atacando diversas irmandades católicas, entre outras. Os personagens, das classes altas e baixas, vão tendo as suas vidas desnudadas e se revela uma profunda corrupção dos mesmos.
À parte o tom polêmico do escrito, “A Emparedada” realiza um rico retrato da sociedade recifense da segunda metade do Oitocentos, a partir da perspectiva de um destacado escritor e jornalista local. Apresentamos artigo mais detalhado sobre esse palpitante romance, que pode ser acessado na coluna de textos autorais, nesse mesmo blog.













Passagem da Madalena, onde os ricos realizavam suas estações de veraneio e tomavam banhos de rio (as pequenas palhoças eram banheiros para os banhistas) e onde se desenrolaram os eventos amorosos que culminaram com o trágico desenlace. Passagem da Madalena. Litografia de Luís Schlappriz, 1863.

Um personagem do Atlântico seiscentista



Retrato de André Vidal, no Museu do Estado de Pernambuco.




Nascido na Paraíba, em data desconhecida no início do século XVII, André Vidal de Negreiros foi um personagem de uma trajetória singular.
Sua origem é pouco clara, algumas fontes disponíveis indicam que o mesmo seria filho de um dono de um pequeno engenho ou lavrador de canas, outras que seu pai era um bombardeiro português, ou ainda um modesto carpinteiro. Seja como for, Vidal assumiu uma destacada posição no agitado mundo colonial português seiscentista.
As primeiras notícias dos biógrafos sobre Vidal, dão conta de sua participação voluntária na resistência contra a invasão holandesa à Bahia, em 1624. Mas ele acabou se notabilizando na resistência ao domínio holandês em Pernambuco e capitanias vizinhas, acabando por se tornar num dos principais chefes do movimento que culminou com a expulsão dos holandeses, após a longa ocupação (1630-1654).
Por consideração aos seus méritos militares, recebeu honrarias diversas e os governos do Maranhão (1655-56), Pernambuco (1657-1661), Angola (1661-1666) e, novamente, Pernambuco (1667). Nessas travessias atlânticas, esteve envolvido ativamente em diversas circunstâncias fundamentais para os destinos do império lusitano no período, como a restauração portuguesa do domínio espanhol após a União Ibérica (1580-1640), as guerras entre as potências européias pelos seus vastos impérios coloniais, as disputas pelo reordenamento da autoridade portuguesa nas Capitanias do norte brasileiro e maranhense, a questão indígena e as disputas entre colonos e missionários pelo controle dos aldeamentos, o tráfico atlântico de escravos e a crise da economia açucareira.
Um personagem de tal significação é objeto de nossas pesquisas recentes, que contam com a publicação de artigo na coletânea “Ensaios sobre a América Portuguesa”, sobre a qual postamos divulgação do lançamento nesse blog, em 13/12/2009.





Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, em Luanda, construída originalmente por Vidal de Negreiros, onde ele mandou enterrar a cabeça do Rei do Congo, D. Antônio I, o Mani Mulaza, o qual havia derrotado na Batalha de Ambuíla, em 1665. Esse episódio foi fundamental para a retomada do controle do tráfico de escravos na região.